Pandemia e Aprendizado

Muito vem se escrevendo e falando sobre a pandemia do covid-19, mas mais ainda se pode dizer. Alguns falam que o coronavírus nos ensinou que todos estamos no mesmo barco, ou melhor, mesmo planeta, e que somos iguais, porque ricos e pobres padecem com ele. Diz-se que num sistema de saúde (público e privado) em colapso, mesmo os ricos não conseguirão ser atendidos se o necessitarem, porque haverá superlotação nos hospitais e faltarão insumos médicos, pessoal e equipamentos.

Porém, vejo um tanto diferente. O vírus obrigou-nos a nos distanciarmos uns dos outros, entretanto, o indicativo de evitar ajuntamentos e multidões se aplica diferentemente entre ricos e pobres. Favelados que vivem em barracos não conseguirão manter distância de seus familiares e vizinhos, e tampouco possuirão tecnologia de informação e entretenimento que lhes permitam enfrentar uma quarentena com um relativo conforto e não tédio. E como seus empregos, aqueles que os têm, são essenciais à sobrevivência, e exigem, em geral, presença física, a maioria dos pobres não conseguirá fazer quarentena, mesmo não trabalhando em serviços essenciais.

De outro lado, os ricos, preocupados com os seus negócios, pensam em demitir parte de seus empregados, ou cortar metade de seus salários, ou sonegar impostos (quando o Estado mais precisa para ajudar os mais necessitados), pensando em si próprios, egoisticamente, mantendo seus olhares sem sensibilidade social. O nosso presidente é um exemplo de tal visão, ao prometer tomar metrô ou ônibus sem medo de se contaminar com o povo quando, na verdade, se ele se preocupasse realmente com o povo dar-se-ia conta de que o povo é quem pode se contaminar com ele.

Mas cabe registrar que o Estado, mesmo sendo ideologicamente autoritário, de viés fascista, e extremamente liberal, se verá obrigado a dar uma guinada à esquerda e injetar recursos (mesmo inexistentes, com aumento do déficit, estourando o teto de gastos) para bancar a saúde pública, e fornecer auxílio aos desempregados, aos microempreendedores e às pequenas empresas. Isto sim, podemos creditar como um aprendizado do vírus: o importante são as pessoas, e os mais pobres e necessitados são sempre a máxima prioridade.

Outro aprendizado do vírus se dá silenciosamente, que é a percepção de que podemos viver em sociedade de um modo diferente. Primeiro, sem tanto consumismo e ostentação, com mais simplicidade. Mas, principalmente, que não necessitamos tanto da nossa presença física em nossos empregos. Escolas passaram a dar aulas à distância, médicos foram autorizados a dar consultas pela internet, psicólogos já atendiam via aplicativos de comunicação, as vendas via web aumentaram 40% e o home office explodiu. Assim todos cresceram nos seus aprendizados de TI, já que tiveram de se adaptar a este mundo da comunicação virtual. E a cultura, presente em espetáculos de música, dança e teatro, foi disponibilizada gratuitamente em muitos canais de TV e na internet. Tudo isto veio para ficar: para que preciso viajar para me reunir se posso fazer isto de modo virtual?

Outro aprendizado que fica é a questão do meio ambiente. Com menos gente nas ruas pássaros voltaram ao ambiente urbano, a água de Veneza tornou-se mais transparente, e menos poluição infestou o ar das grandes cidades. Seria maravilhoso se aprendêssemos a manter a natureza menos contaminada por nós e nossos dejetos.

Tampouco vejo nos ensinamentos do vírus uma mensagem de união, porque se cresceram as ações de solidariedade cresceram também as ações egoístas, como o impulso irracional de esvaziar as gôndolas dos supermercados. Na prática aumentaram as barreiras e muros: fronteiras, pontes e estradas foram fechadas, rodoviárias e aeroportos foram fechados, o que se de um lado criou barreiras ao vírus, de outro dificultou o abastecimento de remédios e alimentos, também essenciais à vida de toda a sociedade. É como se nos tornássemos prisioneiros de nosso medo ou prudência, mas é claro, como um mal necessário no sentido da redução de danos, já que sem quarentena a morte e os sofrimentos ficariam incontroláveis. Aprendemos também que, numa crise, o melhor lugar é a nossa casa, considerando os turistas desavisados que padeceram agruras, presos em algum lugar remoto, sem o apoio de suas famílias e até de suas embaixadas.

Daí que a reação à globalização, feita de nacionalismo e xenofobia, se acentuou em vez de retroceder. Isto o coronavírus ficou a nos dever, um mundo de fronteiras abertas, de imigrantes recebidos de braços abertos, de compaixão e solidariedade. Oxalá esta economia em crise fizesse com que as prioridades mudassem, que as diferenças socioeconômicas diminuíssem, que os mais pobres e necessitados se tornassem prioridade, em vez da ganância absurda do capitalismo selvagem. O Vírus ficou nos devendo o abraço adiado, o beijo colado, o sexo sem medo, a festa e a confraternização dos familiares, amigos e de todos os povos.