O Suicídio
Este é um tema tabu, pois ninguém quer tratar do assunto, o que é natural, é uma defesa instintiva do indivíduo, como expressão do instinto de sobrevivência da espécie. Como exemplo disto posso contar que, uma vez, sentou quase ao meu lado num show uma menina que eu conhecia e que não sabia de onde, o que provocou em mim um certo estranhamento. Assim, fiquei fazendo esforço para lembrar, até que, em meio ao show, me veio à memória quem era ela: uma ex-namorada de um amigo que havia se suicidado. Em verdade eu a conhecia muito bem, e a recíproca era verdadeira, nos conhecíamos a ponto de, em diversas oportunidades, termos estado juntos: eu, meu amigo e ela. Mas se eu a conhecia muito bem por que a memória dela havia se apagado? Simples, porque a lembrança dela estava na mesma gaveta da lembrança dele e, óbvio, a lembrança dele grudada à memória de seu suicídio, e a consequente tristeza e sentimento de culpa que me causava. Assim, por instinto de defesa, meu cérebro jogou tudo isto no inconsciente. Mas é ruim funcionarmos assim, seria melhor se pudéssemos lidar de modo saudável com todas as nossas memórias, sem rejeitá-las, sem sermos afetados negativamente por elas. Afinal, “nada do que é humano me é estranho”, escreveu Terêncio. Ou como no dizer do psicólogo Carl Gustav Jung, o Eu Mesmo (Self) é a última etapa do processo de individuação, em que nos tornamos uma totalidade, no sentido de incorporarmos a nós todas as nossas ações, ideias, percepções, sensações, sentimentos, enfim, todas as nossas experiências subjetivas e vivências objetivas.
Assim, voltando ao tema tabu, tentando extirpar dele o seu aspecto maldito, é significativo que no Brasil nasçam mais homens que mulheres, mas hajam mais mulheres que homens. Isto porque um número grande de homens morrem jovens, sendo as maiores causas de morte, por ordem decrescente: assassinatos, acidentes de trânsito e suicídios. De assassinatos podemos tratar outra hora, os acidentes de trânsito, em geral estão ligados ao álcool e às drogas. Os acidentes fatais com jovens são aqueles que ocorrem em meio à madrugada, em que jovens bêbados e/ou drogados à direção, encontram pela frente um poste, uma árvore ou algum outro veículo. Mas queremos tratar aqui dos suicídios, que não possuem estatísticas nem saem nos jornais, exceto quando ocorrem em vias públicas, mas que a meu ver são significativos dos riscos de depressão na juventude. Penso que os suicídios deveriam ser computados, assim talvez não incentivássemos novas mortes, e sim a prevenção delas.
Afinal, qual é o sentido de agirmos contra o instinto de sobrevivência, contra nós como indivíduos, e contra nós como espécie, já que sem indivíduo não há reprodução? Quando numa colônia de ratos escasseia o alimento, aumentam os índices de suicídios entre os ratos, assim como de infanticídios e homossexualidade, segundo alguns estratégias da colônia para diminuir a reprodução e, por consequência, a fome. Mas nós humanos somos seres culturais, de comportamento social, aprendido mais que instintivo, tanto que conseguimos agir contra o instinto. E seria contraditório dizer que os ratos agem contra o instinto de sobrevivência e de reprodução, por instinto.
Em minha família teve casos de suicídio, tentados e consumados, tive um amigo que tentou, agonizou e se arrependeu, mas acabou morrendo. Tive um vizinho que também tirou sua própria vida. E vi um desconhecido na rua, de arma na mão, nervoso, que pensei que fosse me matar, terminar por afastar-se e dar-se um tiro. Namoradas tentaram se matar ao romper com elas, ou usaram de tais tentativas para chantagear-me a reatar nossas relações. De qualquer modo, alguém assim ao lado assusta, e o tiro sai pela culatra, ou seja, terminam por dinamitar a ponte do reatamento com tais gestos. De modo humano terminamos por auxiliar quem carece de ajuda e grita, mesmo que em silêncio, seu pedido de socorro. Mas com o cuidado que temos que ter quando auxiliamos quem está se afogando, de modo que o afogado não se agarre em nós sofregamente, a ponto de nos afogar junto com ele.
Quem tenta o suicídio no fundo quer viver e pede ajuda, isto provavelmente é uma grande verdade. Afinal, nem todos que tentam o suicídio querem de fato morrer, querem é fugir do sofrimento do momento, que em geral parece eterno mesmo que venha de um tempo não muito longo. Às vezes penso que, sabedor de uma fase terminal sem saída, cheia de sofrimentos e incapacitações, provavelmente optasse pela saída de emergência: o suicídio, desde que algo rápido e indolor. Mas em geral os suicidas que morrem aos poucos, ou sobrevivem, se arrependem de seus gestos. Daí que falta uma análise mais acurada e ampla que nos dê a real dimensão do problema, certamente uma dimensão maior do que poderíamos meramente supor.