O Chile e o Neoliberalismo
No Chile, a ditadura sanguinária de Augusto Pinochet derrubou um Governo de esquerda, democraticamente eleito, para implantar a primeira experiência radicalmente neoliberal do planeta, depois seguida por Margaret Tacher na Inglaterra e Ronald Regan nos EUA. Na época foi implantado no Chile um modelo de Estado mínimo, através da privatização da educação, da saúde e da implantação de uma Previdência sob o regime de capitalização. Hoje no Chile os aposentados ganham menos que o salário mínimo, a população não tem saúde pública e tampouco recursos para bancar a saúde privada, e os estudantes mais pobres são obrigados a buscar crédito educativo, com o qual se formam para enfrentar uma dívida impagável com os grandes bancos. Dizia-se que o Chile deveria ser modelo ao mundo, e o ministro Guedes, no Brasil, quer transformar o Brasil num novo Chile. É claro que um Estado mínimo terá capacidade de pagar suas dívidas, já que sem ter de arcar com saúde, educação e Previdência, terá superávit. Mas um Estado não existe só para exibir números saudáveis de macroeconomia. De que adianta haver superávit, crescimento e controle da inflação, se a população empobrece enquanto os ricos ficam cada vez mais ricos? O Chile em verdade era o paraíso dos banqueiros. Daí que ver a população enfurecida sair às ruas e enfrentar a repressão governamental, traz o que pensar.
Como muito bem apontou Juremir Machado em sua coluna no Correio, Portugal, de centro-esquerda, recusou-se ao neoliberalismo da União Europeia e tem exibido crescimento com bons indicadores sociais; nossa vizinha Bolívia estatizou o petróleo, o gás e a mineração, sem expulsar as multinacionais, mas cobrando mais delas na extração de bens primários, e também tem exibido um crescimento consistente, com diminuição significativa da miséria. A Venezuela foi para o brejo, mas o modelo que ela tentou implantar foi outro, e o radicalismo de esquerda também já havia demonstrado, com o colapso da extinta URSS, ser problemático e tender ao fracasso. Nossa vizinha, Argentina, tentou resolver seus problemas com o neoliberalismo, e terminou por engrandece-los. Macri, derrotado nas eleições, prometera o mesmo que Bolsonaro por aqui: fazer reformas neoliberais e com isto atrair investimentos. As reformas foram feitas e os investimentos não apareceram.
O neoliberalismo, mesmo quando põe as contas em dia, reduz o déficit gerado pela má gestão ou pelo populismo, produz crescimento e gera empregos, não é solução, porque gera concentração de renda e injustiça social. Nenhum país com grande população e massas de pobres e miseráveis, como é o caso dos chamados países em desenvolvimento (Brasil, China, Índia e África do Sul), logrará um verdadeiro crescimento e progresso sem incluir sua massa de excluídos. E não é retirando direitos e reduzindo benefícios sociais que se logrará reduzir a miséria e produzir distribuição de renda. Saúde e educação são imprescindíveis ao verdadeiro desenvolvimento. E na contramão de tal proposta, vemos no Brasil hoje, em vários níveis, uma série de propostas e ações que irão aprofundar as diferenças sociais em vez de reduzi-las. Por exemplo, o chamado “pacote de maldades” do Governador Eduardo Leite, do RS, que simplesmente propõe retirada de direitos ao funcionalismo público, hoje bode expiatório das mazelas econômicas dos Estados, sem alternativa de transição. Os Estados e a União são sugados é pelos juros do endividamento, são os Bancos os grandes vilões, auxiliados pela corrupção e má gestão endêmicas.
Chega de passividade e de acomodação. Os Governantes estão brincando com fogo, há uma gota d’água que faz entornar o pote, e quando as multidões sem freios saem às ruas fica difícil acalmar os ânimos. O país, infelizmente, escolheu nas urnas este fascismo bolsonarista, radicalmente neoliberal na economia, apesar de nada liberal na política e na defesa da democracia. Assim, pelo menos até as próximas eleições, teremos de padecer este radicalismo de direita, aliado ao atraso do conservadorismo religioso, ao agronegócio e aos criminosos do meio ambiente. E frente à revolta dos excluídos pouco poderá fazer as milícias, o lobby das armas, e aqueles que querem entregar o país aos americanos. Haverá refluxo, provocando um recuo da direita, e isto já está acontecendo na Argentina, no México, na Espanha, em Israel, na Itália e até nos EUA. Que consigamos nos manter longe dos extremismos burros e do falso brilho das fakenews. O povo brasileiro certamente abrirá seus olhos na medida em que o desemprego perdure e que os investimentos esperados não venham. Quando o povo perceber que seus direitos estão sendo retirados, e que a piora de sua condição social e econômica está sendo feita a partir de discursos enganosos, certamente repetirá 2013, e replicará o que hoje está ocorrendo no Chile. Basta de pobreza e de miséria, ou melhor, basta de pobreza enquanto os ricos se fartam!