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Museu em transformação:As novas  identidades dos museus

Seminário Internacional (Museu da República – Rio – 1996):

“MUSEU EM TRANSFORMAÇÃO:

as novas  identidades dos Museus”

Conferência:

“Museus: Identidades e Funções – os diferentes tipos de museus e as  estratégias de relação com o público”

Subtema:

“PROJETO GRALHA AZUL:

Parceria Internacional entre Museus”

 (International Partnerships Among Museums – IPAM 1993-95)

– viagem: 1995

Autor da Comunicação: Antônio Renato Henriques

– diretor do Museu Antropológico do RS;

– diretor do Museu dos Cultos Afro-Brasileiros do RS;

– ex-diretor do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa;

– técnico em assuntos culturais do Museu de Arte do RS;

– Mestre em Filosofia, Especialista em Arte e Antropologia, escritor.

                “Museu em Transformação:

                        Projeto Gralha Azul”

– INTRODUÇÃO:

          A resposta à questão – o que é um museu e qual sua função? – continua sendo aquela que estabelece a coluna vertebral em torno da qual se ergue e se desenvolve o trabalho de um museu. O museu, como instituição ou conceito, transformou-se no decorrer do tempo, resumindo períodos da história da humanidade. Na museologia trata-se de museus falando-se de uma coleção, de um prédio, de um pessoal e de um público, o que vem sendo repensado através das concepções de museus comunitários, museus da criança, ecomuseus, etc. Mesmo num grande museu público, com acervo tombado pelo patrimônio nacional, estadual ou municipal, pode-se evitar a museologia tradicional que fecha, esteriliza e mata a coleção através de uma museografia que se volta para o conteúdo das exposições e não para a sua dimensão social. É preciso evitar que os técnicos responsáveis pelos museus trabalhem para a instituição e não para o público, esquecendo o objetivo final de seu trabalho. Pensar no futuro das instituições museológicas é de um lado romper com a museologia tradicional, que está em crise, e de outro investir na relação público-museu, no em torno social-comunitário, revisando a tarefa educativa dos museus.

          Encarar a crise dos museus é reconhecer o fechamento institucional sobre si mesmo, a falta de público, a linguagem museográfica que não se comunica adequadamente, a carência da participação comunitária, a não inserção na realidade social, a rigidez das estruturas burocráticas e administrativas, o transtorno da instabilidade e descontinuidade dos interesses políticos na administração da cultura, o distanciamento da pesquisa de enfoque excessivamente acadêmico, o caráter intemporal e sacralizado da museografia tradicional que não consegue romper os limites das salas de exposição e seus espaços rígidos, abrindo-se a uma leitura crítica e dinâmica da realidade, e permitindo ao público sua expressão livre e espontânea.

          Os museus da criança (hands-on museums) são parte de uma nova revisão da museografia tradicional, enquanto passam a ser chamados de museus instituições com prédio, pessoal técnico, um público específico, mas sem coleção, entendendo-se um acervo de valor patrimonial a ser tombado e preservado. São museus porque informam e ensinam indutivamente, a partir de objetos, do concreto, indo portanto, do efeito à causa, e não o contrário. E como não possuem acervo a ser preservado substituem a expressão “não toque” pela expressão “por favor, toque” ou “é proibido não tocar”. Em função desta especificidade e de seu público infantil, em idade escolar ou não, os museus da criança enriquecem o processo ensino-aprendizagem através do uso e da conscientização do objeto cultural como fonte primária de ensino, integrando de modo especial museu e escolas.

         E, talvez mais importante que o fato de existirem museus da criança seja a influência que estes vêem exercendo sobre os museus tradicionais. Estão surgindo por toda a parte exposições interativas, as vitrines estão sendo transformadas em espaços abertos, constróem-se cenários dentro dos quais o público circula, ao lado daquele acervo que não pode ser tocado estão sendo colocadas réplicas ou peças contemporâneas similares tocáveis, além de expor o objeto está se explorando suas variáveis, contexto e significado social ou científico. E isto é o que mais nos interessa: contribuir para a renovação da museologia tradicional através da ênfase dada ao público em geral (incluindo o infantil), sua participação e educação, assim como ao aspecto lúdico do contato deste com o Museu.

1. DESCRIÇÃO DO PROJETO:

        O Museu de Arte do RS estabeleceu parceria com o Madison Children’s Museum, de WI/USA, dentro de um programa administrado pela American Association of Museums, e financiado pela U.S. Information Agency e por um fundo privado, com recursos da AT&T Foundation. Tal programa tem por finalidade estabelecer laços sistemáticos entre museus americanos e não americanos similares, através do desenvolvimento e condução conjunta ou complementar de projetos.

        O projeto de parceria entre estes dois museus, premiado com a bolsa-prêmio “International Partnerships Among Museums 1993-1995” financiou a vinda ao Brasil da curadora do Madison Children’s Museum, Brenda Baker, onde permaneceu por dois meses, atuando no projeto de parceria, visitando museus e centros culturais e de valor ambiental, e conhecendo cidades, pessoas e atividades culturais e educacionais, úteis à montagem, nos USA, da exposição: “Brazil: beyond the rainforest”. Financiou também nossa ida aos USA, como técnico do Museu de Arte do RS, onde permanecemos por dois meses, atuando na etapa americana do mesmo projeto. 

          O projeto consistiu num intercâmbio entre ambos os museus em torno do programa de arte-educação “Gralha Azul: meio-ambiente e arte”. Através de um diálogo entre alunos brasileiros e norte-americanos de primeiro grau, o projeto teve por objetivo central estimular a criatividade nas artes visuais, em torno das relações entre arte e natureza, e a responsabilidade da preservação ambiental. Foram várias as etapas que foram desenvolvidas no projeto, uma tendo lugar no Brasil e outra nos USA.

          Na etapa brasileira participaram num primeiro momento, através de passeios ecológicos e elaboração de trabalhos plásticos, alunos de 8 a 17 anos de três escolas: uma pública estadual de Porto Alegre (E.E. de 1º e 2º graus Elmano Lauffer Leal), uma pública municipal de Porto Alegre (E.M. de 1º grau Ver. Martim 8Aranha) e ainda uma escola privada (E. de 1º e 2º graus Nª Sª das Graças) de Viamão, município vizinho, parte da Grande Porto Alegre. Os trabalhos de arte-ecológica produzidos pelos alunos resultaram na exposição “Gralha-Azul” (MARGS de 03/11/94 a 04/12/94). Ocorreu ainda a exposição “Nossos bosques tem mais vida?” (MARGS de 01/12/94 a 02/01/95) com sete artistas gaúchos convidados (Ana Norogrando, Diana Domingues, Gustavo Nakle, Irineu Garcia, Lenir de Miranda, Maria Tomaselli Cirne Lima e Marlies Ritter) sobre o tema meio ambiente e arte. E, em 24/11/94 ocorreu, com parceria da Associação dos Escultores do Estado do RS – AEERGS, um “Concurso de Esculturas Efêmeras” na Praça da Alfândega, em frente ao MARGS, que, entre vários prêmios, concedeu o “Gralha Azul” pela melhor escultura ecológica. O projeto em sua etapa brasileira recebeu apoio do IPHAN, do Núcleo de Ecojornalistas do RS, dos integrantes do Movimento Arte-Alerta, da Associação dos Escultores do RS, da Prefeitura de Rio Grande, dos Hotéis Continental e Everest, do Mc Donald’s, etc.

          Na etapa americana, caracterizada pela presença do Brasil nos USA, realizou-se a exposição “Brazil: beyond the rainforest”, no Madison Children’s Museum, versando sobre o Brasil, incluindo a ótica infantil e informações de interesse das crianças, pelo conteúdo ou pela forma de apresentação museográfica. Tal exposição incluiu os trabalhos de arte produzidos pelas crianças brasileiras das escolas acima citadas e “museus em caixas de sapato” produzidos por uma escola gaúcha de São Leopoldo, município da grande Porto Alegre. Fez-se ainda, nas escolas americanas Sherman Middle School, Lincoln Elementary School e Randall Elementary School, de Madison, a montagem com alunos de três turmas, uma de cada escola, de “museus em caixas de sapato”, com acompanhamento do técnico do MARGS.

           Num segundo momento da etapa brasileira, participaram e estão ainda participando alunos de 3ª e 4ª séries do 1º grau de escolas públicas estaduais, através da execução do projeto “museus numa caixas de sapatos”, abrangendo uma escola por Delegacia de Educação do RS. Tais trabalhos serão expostos pelo Museu Antropológico do RS na Casa de Cultura Mário Quintana de Porto Alegre, a partir de 24 de setembro deste ano, junto com as caixas de sapato das crianças americanas, com uma museografia que, a partir de uma pesquisa antropológica, trace um paralelo entre o imaginário das crianças americanas e brasileiras. Simultaneamente o MARGS sediará a exposição de trabalhos de arte produzidos pelas crianças de Madison (de 10/09/96 a 29/09/96), ou seja, o projeto fecha com os USA no Brasil. 

2. O  SIGNIFICADO DE TAL TRABALHO:

          Tal projeto em verdade é um programa múltiplo de atividades interligadas, supõe subprojetos que, de modo claro, poderiam continuar se desdobrando indefinidamente, ou serem executados dentro de uma gama quase infinita de variações possíveis. Isto não é relevante, porque o que nos parece importante não é o projeto em si, mas seu significado como modelo de trabalho institucional. Temos nele um série de propostas que merecem ser resenhadas um a uma:

1. a ênfase a públicos específicos: crianças (na escola e no museu), o em torno social (o concurso de esculturas na praça), artistas e ecologistas;

2. ênfase a um tema específico: meio-ambiente e arte;

3. oportunidade de livre expressão do público infantil, através de:

   3.1. vivências junto à natureza;

   3.2. atividades pedagógicas na escola;

   3.3. atividades visando a museografia;

4. vernissage voltada também às crianças, com uso do teatro dentro do museu;

5. inserção em vários estratos socio-econômicos;

6. ampla abrangência territorial de atuação (todas as DEs e vivências ecológicas junto à natureza), Brasil e USA;

7. diálogo entre:

   7.1. ecologistas-crianças-professores-artistas-museólogos;

   7.2. Brasil-USA;

          Com tal projeto O Museu de Arte do RS saiu de seus muros, abriu-se a diferentes públicos e atividades, ampliou seu conceito de arte (valorizando a produção infantil), abriu-se à preocupações sociais, promoveu vivências, aprendizado, produção, reflexão, e intercambiou com outro museu e com um público estrangeiro, levando não só o Museu, como o seu país à visão do outro. Tal projeto teve como objetivo principal, implementar, entre alunos de 1ºgrau, a criatividade em seu aspecto lúdico, aplicado às artes plásticas, integrando Museu de Arte/Antropologia e Escola, no bojo de um diálogo entre os USA e o Brasil, sobre a responsabilidade mundial frente à preservação do meio-ambiente. Visava também propiciar um intercâmbio dialogado entre alunos do ensino fundamental dos USA e do Brasil; implementar a criatividade em seu aspecto lúdico, nas artes plásticas, à luz da questão ambiental. Visava propiciar um debate dialogado entre alunos, professores, artistas, museólogos e ecologistas, sobre as relações entre arte, natureza e as questões de interesse social, conscientizando os estudantes e a população em geral, acerca da importância das ações de preservação do meio ambiente. O acervo é a alma dos museus, mas as ações educativas e de extensão são deles o sangue, o que pulsa e vibra, atingindo ressonâncias insuspeitadas no coração do público.