A Memória do Futuro

            Assisti ao filme “A Chegada”, que trata de alienígenas que chegam à Terra, e do esforço de comunicação entre eles e os humanos. Por trás da história está a visão da filosofia da linguagem de que a língua não é apenas um meio de expressão, mas um modo de pensar e de acessar a realidade ou verdade. Em outras palavras, de que o pensar é linguístico e, como escreveu Wittgenstein, “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Mas o filme também trata da clarividência acerca do futuro, pois comunicar-se com tais alienígenas significa, na história ficcionada, também adquirir a capacidade de “ver” o próprio futuro.

            Sempre acreditei que existe uma memória do futuro, assim como há uma memória do passado, só que não logramos acessar a primeira por motivos ainda misteriosos. A física quântica e relativística já demonstrou e provou inúmeras vezes que no nível subatômico o futuro pode ocorrer antes do passado, que no centro dos buracos negros existe uma singularidade, onde o efeito pode ocorrer antes da causa, e onde nenhuma lei conhecida da nossa física pode ter sentido e vigência. Assim que, sob o ponto de vista físico, não é absurdo pensar numa memória do futuro, mas como na Mecânica Quântica temos um futuro probabilístico, e se admite inclusive a existência de universos paralelos, haveria assim infinitas possibilidades de futuro e não apenas um.

            Entretanto não vivemos nada além da atualização da realidade a partir de nosso olhar sobre as coisas. Em outras palavras, só vivemos ou somos conscientes de apenas uma sequência de eventos que chamamos de “minha vida”. Daí que não seria absurdo pensar num futuro individualizado e pessoal, o meu futuro, admitindo portanto a memória dele. Porém, se eu souber que vou morrer numa viagem de avião, me recusarei a embarcar no avião que vai cair, mudando o futuro, o que é um contrassenso, pois um futuro que não acontece não é futuro, apenas probabilidade.   Assim, continuamos tomando banho no rio do esquecimento, segundo o mito grego, para não podermos viver sobressaltados pelo futuro.

            É claro que tem um lado maravilhoso na hipótese de uma memória do futuro, mesmo que não tivéssemos livre arbítrio para mudar nada ou melhorar as coisas, pois só o fato de saber-se a hora da morte faria com que vivêssemos numa perspectiva de menos apego, egoísmos, ganâncias e ansiedades. Que sentido teria preocupar-se com questões do dia-a-dia, e brigar com alguém por coisas menores, quando iremos viver só mais uns dias? A fortuna, o poder e a fama instantaneamente se mostrariam ilusórios e fugazes. E a solidariedade, a paz, e o amor dos que nos rodeiam se agigantariam, mostrando-nos que, ao partir, só importa o sentimento de paz, a consciência serena, a certeza do dever cumprido, o aprendizado vivido, a missão finda. Mas quantos seriam capazes de não enlouquecer com tais memórias? Provavelmente a maioria desceria à animalidade em vez de ascender, movidos pela pressa de tudo ter e nada perder, e certos da impunidade.

            Se os alienígenas chegassem à Terra hoje, seria um desconhecido desembarcando, abrindo inúmeras possibilidades, boas e más, mas de qualquer modo dando-nos uma janela para o imponderável, para o todo universal, para a pequenez que temos e somos. Mas poderíamos nos tornar grandes através desta janela, no sentido de descobrirmos outras dimensões de realidade e de nós mesmos, fazendo com que a ideia de evolução apontasse para um futuro melhor, independentemente de nossos erros e limitações. A chegada de alienígenas seria como que o retorno de Buda e de Cristo, ou uma nova encarnação de Vishnu como avatar, enfim, a ciência e religião se dariam as mãos. Mas pensar neste “se” não é o mesmo que ter a memória do futuro. Mesmo desmemoriados podemos pensar no futuro agora, naquilo que podemos estar fazendo agora para construir um mundo melhor e melhores dias para os nossos netos.