Aberração Consumista

Em tempo de crise econômica, quando o número de negativados cresce exponencialmente, é claro que, consequentemente, cai o número dos consumidores. Todos apertam o cinto para atravessar a crise, agravando-a mais ainda, já que apertar o cinto significa consumir menos ou não consumir. Parece óbvio que a sociedade pós-moderna, baseada no consumismo desenfreado, em que todos tentam ser felizes na hora da compra, preenchendo um vazio existencial feito de superficialidades e banalidades, estaria fadado ao fracasso, já que o planeta não aguentaria tal modelo, se adotado pela humanidade inteira. Mas, por enquanto, o capitalismo neoliberal e o avanço da direita no mundo demonstram que o consumismo terá ainda fôlego para perdurar por um bom tempo.

De outro lado, em livros de Marketing encontramos uma pirâmide dos tipos de consumidores e, absurdamente, não me vi nela, quando, me parece, não sou uma completa aberração. Pelo contrário, meus hábitos de consumo se assemelham muito aos de grande parte dos consumidores. Se eu pudesse me classificar, diria que eu sou um “consumidor orientado pelo produto”, e que entender o que isto pode significar ajudará na compreensão da pós-modernidade, a crescente não fidelização dos consumidores. É claro que, com a crise, todos somos “orientados pelo preço”, comprando o mais barato e deixando de comprar o que pareça não caber no bolso.

Mas se temos necessidade de algo e podemos comprá-lo, devemos nos mover e decidir em função do produto e não da marca, o que não exclui a consciência de que algumas marcas se associam a produtos de determinadas características, boas ou más. Quando compro, arranco as etiquetas das marcas, não por ódio a elas, mas porque as etiquetas coçam e pinicam, tornam-se visíveis para fora das roupas e mostram-se muitas vezes através dos tecidos. Além disso, me recuso a usar um produto que ostente sua marca como numa vitrine, pois não sou um outdoor e não aceito fazer propaganda gratuita de uma marca que não me paga para isto. Esta ideia de que as pessoas se sentem valorizadas ao se tornar parte de uma tribo de consumidores de determinadas marcas me parece baixa autoestima, porque uma marca me elevará só quando eu me sinta por baixo dela. E, quem tem autoestima sabe que nenhuma marca, mesmo as que não temos poder econômico para consumir, é superior a nós. O ser humano é o bem mais precioso, enquanto que o capitalismo consumista é uma derivativo civilizacional dos mais primitivos. 

Pior que isto é o marketing agressivo, porque não só nos agride, como consumidores em potencial, como também nos toma por otários e burros, seres capazes de cair em golpes e mentiras. Quando me oferecem vantagens “gratuitas” ou “descontos” em troca de meu tempo e atenção, dispenso, preferindo não ter desconto e pagar mais para não ser perturbado, preservando a minha paz.

Quando busco um produto, o faço por suas características, me permitindo pagar muitíssimo caro ou barato, desde que caiba no meu bolso e o produto corresponda ao meu desejo. E quando desejo sou extremamente racional, privilegiando a função e a adequação à função, o respeito ao meio ambiente e o respeito à ética do trabalho, assim como sua qualidade e estética, jamais a marca. Por exemplo, um tênis é para correr ou praticar esportes ou andar em trilhas ou para o dia a dia informal, portanto, tem de ser absolutamente confortável, resistente, bonito, adequado à roupa e atividade, assim como ao clima. O melhor calçado é o que “inexiste” em nossos pés, quando o sentimos é porque ele nos traz algum incômodo. Já fui possuidor de um, caríssimo, cujo nome de marca estava incrustrado na sola criando um defeito ortopédico que me fez, numa viagem, depois de um dia de caminhadas, ficar acamado no hotel com dores na sola dos pés. Já tive sapatos caros que me produziram bolhas, e também usei produtos baratos que me eram verdadeiras paixões, pela qualidade e adequação aos fins, atendendo plenamente a meus desejos e expectativas.

Abaixo às marcas de luxo que são caras apenas por seus nomes, oferecendo aos consumidores de menor poder aquisitivo produtos feitos de materiais pobres, de baixa qualidade, como uma bolsa feminina feita de plástico. Não comprem produtos mentirosos apenas pelo imaginário absurdo de se sentirem ricos, na moda, cultos, sofisticados, de bom gosto, etc. Pelo contrário, para aqueles que pensam, tal atitude expressa falta de inteligência e profundidade, se justifica apenas na ideologia da massa. Quem assim age está vazio de si e precisa, como compensação, se encher de identidades grupais, ou melhor, tribais.

Sempre me considerei superior às marcas, pois elas é que deveriam pagar para eu usá-las. E longe de mim a empáfia e a prepotência, pois, apesar de superior às marcas, me sei igual a qualquer ser humano, por mais que este chafurde na miséria, na ignorância e no crime. E vou além, me sei um mero ser biológico, frágil e instintivo, sujeito à natureza de sua genética e às circunstâncias ambientais. Meu único diferencial é minha consciência e capacidade pensante que, na hora de comprar, me recuso a abrir mão. Se uma propaganda me desperta o desejo de algo, me recuso a ceder a tal desejo não autêntico, expressão apenas do material publicitário.

Em suma, sou um consumidor pensante, não um iludido produto massivo da mídia, movido pela propaganda. Abaixo às marcas e viva o produto! Porque ele existe para o consumidor e não o contrário, como pretende a estratégia marqueteira e neoliberal. Deveríamos comprar tudo como se compra um livro, sempre pelo produto (livro e autor) e não pela editora. Comprem como quem compra um remédio, adequado ao fim, independentemente de quem o colocou na prateleira.