50 Anos da Ditadura

            Há 50 anos atrás foi 1964, o ano do golpe militar que mergulhou o nosso país numa ditadura que feriu nossa nação de um ferimento que até hoje não cicatrizou completamente. É impossível esquecer os mortos e feridos, e as sequelas físicas e psicológicas das torturas, assassinatos, sequestros, estupros e abusos de todo tipo. E, de certa forma, todos nós fomos vítimas, e se não tivemos traumas diretos, trazemos pelo menos na alma o luto de nossos mortos e o sentimento de perda de um tempo que nos foi roubado. Mas também, e principalmente, não se pode esquecer as lições históricas do passado, os erros nos fazem aprender, apesar de que nem todos aprenderam, já que depois configurou-se a impunidade.

            É claro que havia duas lutas, a dos militares, apoiados pelos EUA, contra a ameaça comunista, e a dos revolucionários de esquerda contra o capitalismo, e ambos os lados cometeram excessos. Mas nem todos que lutaram contra a ditadura eram revolucionários, e até mesmo nem todos eram de esquerda. Porém, a luta contra a ditadura tinha uma legitimidade que os militares não tinham, era egressa de um governo democraticamente eleito que foi derrubado, e tinha o ideal de liberdade e justiça social ao povo. Já os militares escondiam a sujeira embaixo do tapete, forjavam assassinatos como se suicídios ou acidentes fossem, governavam fantasiados de civis, e colocavam espiões e delatores em todos os movimentos sociais, alimentando uma atmosfera de terror e silêncio.

            Lembro de, em 1964, ver meu pai esconder, no sótão da casa em que vivia com minha família, livros, papéis e mapas da reforma agrária que Jango pretendia fazer. Tive professores demitidos e aposentados, conhecidos mortos e amigos desaparecidos e presos, incomunicáveis. E pelo que? Por “crime” de opinião… Vi uma foto de apreensões do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) do RS: uma montanha de livros, jornais, papéis e panfletos… Um regime que confisca livros será sempre ilegítimo e execrável. Daí que é preciso valorizar a democracia que vivemos, em que podemos pensar e dizer o que quisermos; podemos criticar, protestar e tentar mudar para melhor o nosso país. Por isto soa absurdo ver militares comemorarem o aniversário do golpe, torturadores declararem que não se arrependem, e uma minoria ignorante e inexpressiva sair às ruas em defesa do autoritarismo.

              A guerra fria acabou, a URSS se desintegrou, o comunismo chinês e outros estão se abrindo ao capitalismo, hoje os países que se declaram de ideologia marxista são os que mais exploram sua mão de obra, enfim, o sonho revolucionário acabou, mas não o sonho da esquerda de construir uma sociedade menos desigual e mais justa.

              É claro que não somos mais ingênuos, temos consciência dos obstáculos e dificuldades sistêmicas, conjunturais, culturais e humanas. Por exemplo, hoje todos possuem teto de vidro, e ninguém pode se arvorar, com autenticidade, herói, salvador da pátria ou pai do povo e dos pobres. Assim, o conflito da ditadura entre inteligência e força acabou, hoje a direita possui também inteligência, e a esquerda no poder tem de seu lado a força, não vivemos mais entre bandidos e mocinhos.

                Resta fazermos o que nos cabe fazer, continuarmos a tentar melhorar o nosso país e o mundo, lutarmos contra as injustiças e sempre em prol das liberdades. Ditadura nunca mais! Mentiras nunca mais! Hoje o multilateralismo nos permite construirmos o nosso futuro sem tantas ingerências externas, como no passado. É hora de abrir os arquivos secretos, de trazer à luz o que estava no escuro, de encontrar os mortos e desaparecidos. É hora também de dar lições de democracia às novas gerações, revogando a Lei da Anistia, julgando todos os que cometeram crimes, punindo os culpados que estavam impunes, purgando as culpas de nossos corações e mentes, e lavando nossas almas. Abaixo a repressão e a ditadura! Viva a democracia e o Estado de Direito!